Nas escolas, não muito tempo atrás, os alunos que não acompanhavam os colegas, tinham notas ruins ou faziam bagunça recebiam um chapéu em forma de cone no qual era escrita a palavra “burro”. Hoje isso parece absurdo, mas infelizmente ainda é comum colocar rótulos nos jovens que obtêm um desempenho abaixo do esperado, com frases do tipo “esse menino tem problema”. Mas que problema é esse? A pergunta tem muitas respostas diferentes, e nem os especialistas em educação nem os médicos estão de acordo em relação aos diagnósticos dos transtornos de aprendizagem, que crescem a cada ano no Brasil e no mundo.
Dificuldade e distúrbio é a mesma coisa?
Em primeiro lugar, há uma grande diferença entre dificuldades e distúrbios de aprendizagem. A primeira classe, em geral, é transitória, e se origina de fatores externos, ligados ao comportamento (próprio ou dos que cercam o indivíduo): desinteresse, insegurança, método pedagógico deficiente, questões de relacionamento interpessoal ou até má alimentação.
Já os distúrbios de aprendizagem necessitam de diagnóstico e acompanhamento de profissionais de saúde, de preferência em equipe multidisciplinar: médico, pedagogo, fonoaudiólogo, psicólogo. Além disso, suas causas são internas (biológicas e/ou psíquicas), e acompanham o indivíduo por toda a vida, com maior ou menor grau de interferência na aquisição e fixação do conhecimento. Entre eles estão TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), dislexia (transtorno na leitura e escrita) e discalculia (transtorno no aprendizado da matemática).
Para se ter uma ideia, de acordo com a fonoaudióloga e professora da USP Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte no artigo “Dificuldade e transtorno de aprendizagem”, a prevalência mundial de indivíduos, entre a população escolar, com alguma dificuldade de aprendizado, é de cerca de 40%. Já aqueles que têm algum distúrbio de aprendizado somam apenas 5% a 7% da população escolar.
No entanto, a cada ano uma quantidade muito maior de estudantes é erroneamente diagnosticada com distúrbios de aprendizagem. Em sala de aula, os professores, pela experiência que já carregam consigo, podem arriscar um diagnóstico, de acordo com os comportamentos apresentados pelos alunos. Certamente não o fazem de propósito, mas com o intuito de ajudar aquele estudante e sua família. Contudo, é importante que os educadores não se precipitem nesse sentido, e sempre que desconfiarem de algo errado solicitem um profissional de saúde para examinar o estudante em questão.
Automedicação: jovens no topo da lista
Quando o diagnóstico não é feito por um profissional especializado, um dos grandes riscos é a automedicação. No artigo “Estudantes e o doping intelectual: Vale tudo na busca do sucesso no vestibular?”, Emilia Suitberta de Oliveira Trigueiro e Maria Isabel da Silva Leme citam dois estudos: um do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade Industrial (2014), que afirma que a automedicação faz parte da rotina de 76% dos brasileiros, e entre os jovens de 16 a 24 anos chega a 90%.
A segunda pesquisa, esta realizada por Cassimiro (2012), sobre consumo de medicamentos entre o público pré-universitário, mostrou que 15% dos jovens afirmaram usar drogas para TDAH sem prescrição médica (sendo a maioria os vestibulandos de medicina, em geral o curso mais concorrido nas faculdades).
A questão do rótulo
Outra consequência possível é a rotulação desses estudantes como “problemáticos”, “deficientes” e até “burros”, como se fosse possível resumir indivíduos a um diagnóstico. No entanto, mesmo aqueles que realmente apresentam algum distúrbio de aprendizagem são muito mais do que o nome de uma doença, são jovens que certamente têm talentos e potencialidades para além de suas dificuldades.
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Fontes:
“Estudantes e o doping intelectual: Vale tudo na busca do sucesso no vestibular?” Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572020000100306
“Dificuldade e transtorno de aprendizagem”. Disponível em: http://www.ptr.poli.usp.br/wp-content/uploads/sites/393/2019/07/Disturbios-Especificos-de-Aprendizagem.pdf