Recentemente a internet entrou em polvorosa por causa de uma digital influencer pré-adolescente. Desde 2012 a menina em questão tem um canal no YouTube, que hoje conta com um público de 8 milhões de inscritos e mais de 4 mil vídeos. Nas gravações, ela está sempre com a mãe, que parece obrigá-la a fazer coisas como tomar um líquido de gosto ruim (que provoca vômito na filha). Em uma gravação a mãe empurra a jovem na piscina. Em outra, joga um ovo na cabeça dela, a pedido de uma seguidora. Em outra ainda a menina está na praia e é levada pela correnteza – ela pede socorro, mas os pais continuam filmando.
Diante da denúncia dos próprios seguidores, os pais da menina foram acionados pelo conselho tutelar, e desde então ela não gravou mais vídeos. Esse episódio abriu a discussão sobre crianças blogueiras e digital influencers que produzem conteúdos tão diversos quanto vídeos motivacionais, unboxing (ato de abrir brinquedos na frente da câmera para gerar engajamento de outras crianças) e desafios constrangedores.
O que diz o ECA
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, é proibido que pais ou responsáveis submetam menores a vexame ou constrangimento, sob pena de seis meses a dois anos de detenção. Também é crime expor a vida ou a saúde dos menores, privando-os de alimentação, cuidados indispensáveis ou sujeitando-os a trabalhos excessivos ou inadequados.
“A criança que é gravada com uma câmera falando e agindo como adulto, com comportamentos claramente impostos por adultos, está sofrendo abuso. Esse tipo de situação é perigosa, pois pode afetar o desenvolvimento psíquico saudável do indivíduo. Mesmo quando a criança deseja ter um canal, é preciso haver um acompanhamento dos responsáveis de perto. Isso porque é muito fácil se perder em meio a curtidas, comentários e seguidores. Na internet, a recompensa é imediata, e o que era uma brincadeira pode passar a ser prejudicial, se transformando rapidamente em vício. A situação fica ainda mais complicada quando esse conteúdo é remunerado de alguma forma”, analisa Marcia Belmiro.
Mesmo antes do advento da internet, alguns casos de exposição indevida de crianças são conhecidos. Dois dos casos mais famosos são do ator Macaulay Culkin (da série de filmes Esqueceram de mim), e antes ainda do cantor Michael Jackson. Ambos, depois de adultos, relataram ter sido forçados a entrar no show business, em condições que configuram inclusive trabalho infantil.
Sempre é prejudicial?
É certo que também existem crianças influencers que, com a orientação dos pais, levam à frente seus desejos e talentos de uma forma saudável. É o caso das irmãs gêmeas Helena e Eduarda Ferreira. Desde 2018 no canal Pretinhas Leitoras no YouTube, as cariocas de 11 anos falam sobre os livros que gostam, discutem sobre personagens e autores, com colocações genuínas sobre o que pensam, sempre com foco numa educação infantil antirracista. A mãe das meninas, Elen, acompanha de perto o canal, para garantir que o conteúdo seja sempre adequado à idade das filhas.