Em meio às dificuldades presentes na criação dos filhos na sociedade atual – rotina corrida, concorrência com os eletrônicos, birras –, é comum que as mães pensem: “Antigamente era mais fácil! Minha avó teve oito filhos e tenho certeza de que nunca passou pelas situações que eu passo hoje!”
É certo que sua avó nunca passou pela temível birra no shopping nem pela dificuldade de fazer a criança sentar à mesa sem o celular a tiracolo – mas também naquela época não existia shopping, muito menos celular.
De toda maneira, não é por isso que podemos afirmar de modo categórico que no passado criar filhos exigia menos esforços das mães. Podemos dizer que antigamente era diferente, e só.
Para começar, nas gerações passadas a infância como um todo era bem diversa da que vemos hoje. Como as mulheres não estavam no mercado de trabalho, era comum que as crianças só fossem para a escola aos 7 anos, para serem alfabetizadas. A primeira infância era passada basicamente em casa, e o máximo de contato externo que uma criança tinha era com os vizinhos, com quem brincava na rua.
Não havia canais só de desenhos animados com propaganda voltada ao público infantil. Não havia digital influencers fazendo unboxing de brinquedos caros. Por outro lado, se um pequeno manifestava sua opinião sobre o cardápio do almoço ou discordava da educação rígida dada pelos pais, provavelmente era silenciado, seguindo a máxima de que “criança não tem querer”. O parâmetro de “bom filho” era a obediência, e qualquer questionamento era visto como um caso grave de indisciplina.
As famílias eram numerosas, e os filhos mais velhos – especialmente do sexo feminino – naturalmente ajudavam a cuidar dos mais novos, de modo que meninas de 10 anos eram vistas praticamente como adultas, com responsabilidades que – sabemos hoje – não são razoáveis para indivíduos dessa idade.
Checklist da maternidade
Parece que hoje em dia, para ser boa mãe, há um monte de regras: é preciso fazer introdução alimentar com BLW, levar a criança para brincar na natureza todos os dias. Ah, e o quarto tem que ser todo de madeira, ecologicamente correto – nada de plástico (dos móveis aos brinquedos). No prato, todo dia cinco cores, só de alimentos orgânicos.
Para além disso, a mulher-mãe precisa ser boa profissional, fazer ginástica regularmente e ainda estar sempre maquiada e “apresentável”. Se falta qualquer um desses quesitos, já sabe: ela não passou no teste, não é boa mãe.
Parece que por mais que uma mãe se esforce para dar “check” em todos os itens da suposta “maternidade perfeita”, sua mente só registra o que não foi feito. Ex.: O almoço era saudável, mas a comida não estava fresca; você proporcionou a seu filho um tempo de qualidade, mas não foi na natureza, e sim no play do prédio.
“É importante termos parâmetros do que é bom e saudável, de acordo com as últimas descobertas da ciência. E hoje, mais do que nunca, temos à disposição toda sorte de informação de qualidade. Acontece que qualquer coisa que é vista pela mãe como regra, como sacrifício, não vai dar certo nem vai ser positivo – tanto para a mãe quanto para os filhos. Pensar que só é possível ser uma boa mãe se tiver completado uma lista infinita todos os dias escraviza a relação dessa mãe com as crianças, gerando culpa desnecessariamente”, analisa Marcia Belmiro.
Diante de tudo isso, Marcia faz uma provocação: “Ficar pensando em como era a vida das mães no tempo da sua avó vai ajudar de alguma forma a resolver seus problemas hoje? O que você pode fazer hoje, agora, para ter uma maternidade mais tranquila, sem culpas nem nostalgia por um tempo que não volta mais – e que certamente não era perfeito como gostaríamos de acreditar?”
Quer saber mais sobre esse assunto?
Acesse o vídeo “Antigamente era mais fácil educar os filhos”, no Canal do ICIJ no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=rgBr8kJCAes