A chegada dos filhos traz a renovação da vida, muita alegria e comemoração. Mas também invariavelmente traz muitas mudanças no relacionamento dos pais: as noites insones, os cuidados e a preocupação com os pequenos, a falta de tempo e de dinheiro – que agora vão quase integralmente para as crianças – podem causar danos permanentes no vínculo do casal caso a compreensão não seja mútua.
A crise no casamento pós filhos, apesar de ainda ser um tabu, vem sendo muito estudada nos últimos anos, e já ganhou até nome: baby clash. Um estudo feito pela dra. Esther Kluwer, psicóloga dos Países Baixos, chegou à conclusão de que dois terços dos casais se sentiam menos satisfeitos e felizes até o primeiro filho completar 3 anos de idade, em relação à vida antes de serem pais.
Outra pesquisa, feita com 2 mil mães e pais dos Estados Unidos e Reino Unido, revela que um terço dos relacionamentos sofre sérios problemas nos meses após o nascimento do bebê, e que um quinto dos casais se separa durante o primeiro ano. Entre as causas apontadas, as mais comuns são: dificuldades de comunicação, falta de momentos de intimidade do casal, insegurança em relação ao corpo (para as mulheres) e percepção de se sentir ignorado, em detrimento do filho (para os homens).
Papéis irreconciliáveis?
Entre as mulheres, frequentemente a frase mais ouvida é: “Ser uma boa mãe me impede de ser boa esposa.” Esse pensamento traz em si uma cobrança comum (mas definitivamente não eficaz) de que a mulher é a responsável por manter tudo em equilíbrio: filhos saudáveis e bem educados, casa impecável, marido atendido em suas necessidades – inclusive sexuais –, trabalho em dia…
“Essa ‘síndrome de Alceste’ – em referência à personagem da mitologia grega que se sacrifica pelo marido, chegando a se colocar no lugar dele na hora da morte – não é benéfica a ninguém: nem ao marido, que tem toda a condição de ser tão responsável quanto a esposa pelo bem-estar da família, tampouco aos filhos, que crescem com um modelo de desigualdade e obsoletos padrões machistas, e menos ainda à mulher, que não raro entra em um ciclo infinito de exaustão e culpa”, analisa Marcia Belmiro.
Evitar que os desentendimentos cotidianos após a chegada dos filhos se transformem em um problema estrutural, que atravessa os anos, não é uma tarefa fácil, mas certamente possível. Em primeiro lugar, o casal precisa avaliar se ainda existe o desejo genuíno de continuar junto.
Depois, é indicado que ambas as partes avaliem seu papel no casamento, em relação aos filhos e à família de modo geral. Fazer a si mesmo algumas perguntas pode ajudar, por exemplo:
– “Eu me esforço ao máximo por esse projeto de família?”;
– “Tem algo que preciso dizer a meu companheiro/minha companheira para que nossa relação melhore?”;
– “O que posso fazer, que só dependa de mim, para tornar meu cotidiano mais harmonioso?”.
“Depois de meses ou até anos com a atenção totalmente concentrada nas demandas infantis, é necessário que os pais façam um movimento de trazer o foco para si próprios, dando prioridade ao autocuidado, olhando com carinho para o próprio corpo, os próprios sentimentos, seus desejos e necessidades não atendidos após a chegada dos filhos. A parentalidade não pressupõe uma vida de sacrifícios, mas uma vida de divisão de papéis, companheirismo e compreensão mútua, de modo a todos terem espaço para si nessa família”, orienta Marcia.
Fontes:
“From Partnership to Parenthood: A Review of Marital Change Across the Transition to Parenthood”. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/j.1756-2589.2010.00045.x
“Um quinto dos casais se separa até o primeiro ano do bebê”. Disponível em: https://revistacrescer.globo.com/Familia/Sexo-e-Relacionamento/noticia/2019/10/um-quinto-dos-casais-se-separa-ate-o-primeiro-ano-do-bebe.html